domingo, 26 de abril de 2009

OBJETO DA CRIMINOLOGIA: O DELITO

A Criminologia, nos tempos atuais, passa por progressiva ampliação e problematização do seu objeto.
Antigamente as investigações criminológicas versavam apenas sobre a pessoa do delinqüente e o delito, no momento atual, por sua vez, a vítima foi redescoberta, bem como os estudos sobre controle social do crime passaram a ser analisados cientificamente, de forma a ampliar o objeto da criminologia.
Quanto à problematização do seu objeto, esta decorreu da crise do modelo de ciência (paradigma) e dos postulados até então vigentes sobre o fenômeno criminal. A Criminologia era ciência que vivia de dogma (verdades inquestionáveis), entretanto, profundas mudanças na Criminologia Moderna puseram à dúvida os fundamentos epsitemológicos e ideológicos da Criminologia Tradicional. As teorias estrutural-funcionalistas, as subculturais, as da socialização e da aprendizagem, as do conflito, as interacionistas do labelling approach e outras contribuíram decisivamente para a redefinição dos postulados de um novo modelo.
No tocante ao objeto em estudo, o delito, cabe mencionar que este é objeto também de outras ciências, como: da Filosofia, da Sociologia, do Direito Penal, entre outras. Assim, devido às diversas áreas que cuidam do delito e, portanto, dos seus diversos conceitos, é importante delimitar o seu conceito dentro da Criminologia.
O "positivismo criminológico" objetivando formular um conceito "material" de crime, criou a imprecisa expressão "delito natural", que Garófalo definiria como "uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo o padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade"; outros autores, no entanto, realçam a nocividade social da conduta ou a periculosidade do seu autor.
A Sociologia utiliza o conceito de "conduta desviada", que toma como critério de referência as expectativas sociais, pois não há como catalogar condutas objetivamente desviadas. Assim, a Sociologia caracteriza desviado como um comportamento concreto que se afaste das expectativas sociais em um dado momento e contrarie os padrões e modelos da maioria social. Esses conceitos de delito não podem ser assumidos sem maiores implicações pela Criminologia.
Tem que se analisar, como ponto de partida para a definição de delito, o conceito jurídico-penal porque o formalismo e o normativismo jurídico resultam incompatíveis com as exigências metodológicas de uma disciplina empírica como a Criminologia.
A Criminologia não pode operar com um conceito jurídico-penal, formal, de delito. Como adverte Sessar, seria um erro trasladar ao âmbito criminológico o axioma nullum crimen sine lege que, por imperativo legal, rege o âmbito legal, porque o Direito Penal constitui um sistema de expectativas normativas que segue o código lícito-ilícito, enquanto a Criminologia, como disciplina científico-empírica, se ajusta, pelo contrário, a um sistema de expectativas cognitivas que responde ao código verdadeiro-falso. Além disso, um conceito jurídico-penal de delito e seu conteúdo variável e circunstancial (processo de neocriminalização e de descriminalização) introduziria um fator de insegurança e instabilidade no mundo criminológico, incapaz de delimitar seu próprio âmbito de investigação. Por outra parte, vinculado o conceito jurídico-penal de delito à categoria clássica de bem jurídico, parece inviável acudir ao primeiro para traçar o âmbito de competência da Criminologia dada a progressiva desmaterialização e distanciamento do conceito de bem jurídico com respeito aos interesses do homem como conseqüência da expansão e funcionalização do ius puniendi.
Parece óbvio que a Criminologia e o Direito Penal operam com conceitos distintos de delito. Prova disso é que a primeira se ocupa de fatos irrelevantes para o Direito Penal (v.g., o chamado "campo prévio" do crime, a "esfera social" do infrator, a "cifra negra", condutas atípicas, porém de singular interesse criminológico, como a prostituição ou o alcoolismo etc.); de outro lado, ocupa-se também de certas facetas e perspectivas do crime que transcendem à competência do penalista (v.g., dimensão coletiva do crime, aspectos supranacionais etc.).[14] E, ademais, o diagnóstico jurídico-penal de um fato pode não coincidir com sua significação criminológica (assim, por exemplo, certos comportamentos como a cleptomania ou a piromania que, para o Direito Penal, têm uma caracterização puramente patrimonial, merecem do criminólogo outra leitura, muito mais realista e sutil, de acordo com o conjunto biológico e motivacional daqueles). Do mesmo modo que um diagnóstico psiquiátrico diferencial, a Criminologia obriga a distinguir (ainda que juridicamente se trate de infrações patrimoniais, em todos os casos) o furto que comete o ancião por razão de sua demência, do que comete o neurótico em uma crise de ansiedade ou o cleptomaníaco, porque não controla seus impulsos, ou o fetichista, por motivações sexuais, ou o oligofrênico, como conseqüência de seu retardo mental, ou o drogado, para financiar seu consumo, ou quem padece de um transtorno anti-social da personalidade, como conseqüência de sua psicopatia ou uma psicose maníaco-depressiva. O furto, em cada caso, tem um significado distinto.
Em última análise, a razão de tais discrepâncias valorativas não é outra senão as distintas funções que correspondem ao Direito Penal e à Criminologia em relação ao problema do crime e, logicamente, do significado também distinto dos conceitos, técnicas e instrumentos dos quais um e outro se servem. O conceito "penal" de delito tem natureza formal e normativa. Contempla - isola - um fragmento parcial da realidade, com critérios valorativos. O jurista cuida do fato delitivo como abstração, não de forma direta ou imediata, senão por meio da figura típica prevista na norma, isto é, valorativamente, normativamente. As definições "formais" de delito delimitam a intervenção punitiva do Estado, por imperativo inescusável do princípio de legalidade. O "realismo" criminológico, pelo contrário, libera as disciplinas empíricas destas exigências garantidoras ("garantistas") típicas do Direito, reclamando do investigador uma análise totalizadora do delito, sem mediações formais ou valorativas que relativizem ou obstaculizem seu diagnóstico. Interessa à Criminologia não tanto a qualificação formal "correta" de um acontecimento penalmente relevante, senão "a imagem global do fato e do seu autor": a etiologia do fato real, sua estrutura interna e dinâmica, formas de manifestação, técnicas de prevenção do mesmo e programas de intervenção no infrator etc.
O conceito filosófico de "delito natural" - tanto em sua versão positivista como na jusnaturalista - tampouco atende às necessidades da Criminologia.
Trata-se de conceito ambíguo e impreciso. Acerta ao denunciar o formalismo e a circunstancialidade das definições legais de delito, apresentando-se como instância crítica do ius positum. Porém, em vão, tenta atribuir uma base ontológica segura ao conceito de delito, neutra, livre de valorações e com sustento empírico (conceito "material"). Pois, em última instância, o conceito de delito natural é, também, um conceito "valorativo" que substitui as valorações legais - que ao menos reúnem segurança e certeza - por valorações socioculturais. Por outra parte, é óbvio que o eventual conflito entre ambas se resolve sempre em favor das primeiras, que contam com o respaldo coativo do Estado. E que fracassaram até esta data todos os projetos concebidos para formular um conceito material e apriorístico de delito, com abstração das definições legais. A inexistência de critérios generalizado e a impossibilidade de elaborar um catálogo fechado, exaustivo, de "delitos naturais" demonstram que esta categoria carece de operatividade e que não apresenta um marco conceitual sólido e definido para o desenvolvimento criminológico.
O conceito sociológico de "conduta desviada", finalmente, apresenta semelhantes limitações.
Não expressa uma noção apriorística de delito, valorativamente neutra e objetiva, com respaldo empírico, sólida, segura, construída com abstração das definições legais e válida para a Criminologia. Pelo contrário, tem, também, uma inquestionável carga "valorativa", com as inerentes doses de relativismo, circunstancialidade, subjetivismo e incerteza. Pois condutas desviadas in se (por suas qualidades objetivas) não existem. A "desviação" reside propriamente nos demais, nas maiorias sociais que etiquetam um determinado autor com o estigma de desviado (nem sempre dando atenção a seus méritos objetivos). O conceito de "desviação", ao apelar para as "expectativas sociais" mutantes, circunstanciais, reconhece sua própria incapacidade para formular um conceito de delito "ontológico", objetivo, material. E priva o criminólogo, em conseqüência, de uma base segura que sirva de marco e referência metodológica para seu trabalho.
Mais grave é o reparo que merecem os teóricos do labelling approach quando definem o crime como mero subproduto final do controle social. Este exerce, sem dúvida, um papel relevante na configuração efetiva da criminalidade. E sua intervenção é seletiva, discriminatória. Porém, conferir ao controle social eficácia "constitutiva", isto é, criadora da criminalidade, é o mesmo que negar toda consistência e autonomia ao conceito de delito, impossibilitando a análise teórica sobre sua definição, etiologia, prevenção etc.
Não obstante, os enfoques sociológicos (e, em particular, os de orientação interacionista e conflituosa) têm desmistificado com saudável realismo o conceito formal e estático de delito da Criminologia clássica, chamando a atenção sobre a insuficiência deste. A Ciência Criminológica, com efeito, não pode operar com um conceito estritamente normativo de crime, nem desconhecer os processos sociais que precedem - e sucedem - às definições do legislador penal, isto é, o processo histórico e real de criação e aplicação do Direito, e os movimentos político criminais - antagônicos - de descriminalização ou de neocriminalização. O conceito penal de delito é um conceito jurídico-formal, normativo e estático. O conceito criminológico é um conceito empírico, real e dinâmico.
A Criminologia clássica (tradicional), dócil e submissa às definições jurídico-formais de delito fez do conceito de delito uma questão metodológica prioritária. Não assim a moderna Criminologia, consciente da "problematização" daquele, se interessa, antes de tudo, por outros temas de maior transcendência, como, por exemplo, as funções que desempenha o delito como indicador da efetividade do controle social, seu volume, estrutura e movimento, a distribuição da criminalidade entre os distintos estratos sociais etc.
Chegou a tal ponto a perda de interesse do debate acadêmico sobre o conceito criminológico de delito que um setor doutrinário sugere utilizar o que mais corresponda às características e necessidades da concreta investigação criminológica. Assim, quando esta vise estudar questões jurídico-políticas relacionadas com a descriminalização - ou com a neocriminalização -, operaria com um conceito "material" de delito. Pelo contrário, se se trata de analisar o volume, estrutura e movimento da criminalidade, deverá tomar como ponto de partida a definição jurídico-penal ("formal") de delito.
Para a Criminologia o delito se apresenta, antes de tudo, como problema social e comunitário, que exige do investigador uma determinada atitude (empatia) para se aproximar dele. Mas ambos os postulados necessitam de alguns comentários.
O crime recebeu várias conceituações dos penalistas, filósofos, moralistas, sociólogos, políticos etc.
Para o penalista, não é senão o modelo típico descrito na norma penal: uma hipótese, produto do pensamento abstrato. Para o patologista social, uma doença, uma epidemia. Para o moralista, um castigo do céu. Para o experto em estatística, um número, uma cifra. Para o sociólogo, uma conduta irregular ou desviada.
A Criminologia, por seu turno, deve contemplar o delito não só como comportamento individual, mas, sobretudo, como problema social e comunitário, entendendo esta categoria refletida nas ciências sociais de acordo com sua acepção original, com toda sua carga de enigma e relativismo. Porque, conforme puseram em destaque Oucharchyn-Dewitt e outros, um determinado fato ou fenômeno deve ser definido como "problema social" somente se concorrem as seguintes circunstâncias: que tenha uma incidência massiva na população; que referida incidência seja dolorosa, aflitiva; persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficazes técnicas de intervenção no mesmo; consciência social generalizada a respeito de sua negatividade.
Todas estas notas próprias de um "problema social" podem ser observadas efetivamente no delito. Afeta toda sociedade (não só os órgãos e instâncias oficiais do sistema legal), isto é, interessa e afeta todos nós. E causa dor a todos: ao infrator, que receberá seu castigo, à vítima, à comunidade. Somos conscientes, sem embargo, de que temos que aceitar a realidade do crime como inseparável da convivência. Que não existem soluções milagrosas nem definitivas. Que sua explicação tem muito mistério e seu controle, razoável ou satisfatório, bastante de utopia, de irrealidade. Estamos retornando ao ponto zero do saber criminológico - dizia um autor, faz poucos anos - e o delito continua sendo um enigma. Por tudo isso, ele é um problema social e comunitário. É um problema "da" comunidade, nasce "na" comunidade e nela deve encontrar fórmulas de solução positivas. É um problema da comunidade, portanto, de todos: não só do "sistema legal", exatamente porque delinqüente e vítima são membros ativos daquela. Nada mais errôneo do que supor que o crime representa um mero enfrentamento simbólico entre o infrator e a lei e que o delito - a obra do delinqüente - preocupa e interessa só ao sistema, isto é, polícia, juízes, administração penitenciária etc.
Os problemas sociais reclamam uma particular atitude do investigador, à qual a Escola de Chicago denominou "empatia". O crime, também. Mas, empatia, desde logo, não significa simpatia nem cumplicidade com o infrator e seu mundo, senão interesse, apreço, fascinação por um profundo e doloroso drama humano e comunitário: um drama próximo, mas, ao mesmo tempo, enigmático e impenetrável. Referida paixão e atitude de compromisso com o cenário criminal e seus protagonistas são perfeitamente compatíveis com a distância do objeto e da neutralidade requeridas do cientista. Contrária à empatia é a atitude indiferente e fatigada, tecnocrática, dos que cuidam do fenômeno delitivo como qualquer outro problema, esquecendo sua natureza aflitiva, sua amarga realidade como conflito interpessoal e comunitário. Ou a atitude estritamente formalista que vê no delito um mero comportamento típico previsto na norma penal ou antecedente lógico da conseqüência jurídica, que fundamenta a inexorável pretensão punitiva do Estado. E, evidentemente, a resposta insolidária dos que contemplam o delito como um "corpo estranho" na sociedade, produto da anormalidade ou patologia do seu autor. O crime não é um tumor nem uma epidemia ou doença social, muito menos um corpo estranho alheio à comunidade ou uma anônima magnitude estatística referida ao fictício e irreal "delinqüente médio", senão um doloroso problema humano e comunitário. Quando se afasta o crime da nossa visão (como a grande cidade afasta da sua todos os vestígios do sofrimento: prisões, hospitais, cemitérios etc.), patologizando-o - o crime e seus protagonistas - e anatematizando-o, para justificar a intervenção dos psiquiatras ou do bisturi da pena, ou dissimulando com uma cifrada linguagem estatística a carga conflitiva e aflitiva que está em sua base - pessoal e comunitária -, não cabe uma análise científica válida e útil do problema criminal. Pois, referida análise, não pode perseguir prioritária ou exclusivamente o castigo do infrator, senão outros objetivos: a explicação convincente do próprio fato delitivo, a reparação satisfatória dos males que causou e sua eficaz prevenção ou razoável controle no futuro.
Delito e reação social
Por mais que o conceito criminológico do delito seja um conceito real, fático - empírico, e não "normativo", diferentemente do conceito jurídico formal - a constatação ou apreciação do fato criminoso (da delinqüência) e o volume deste dependem de uma série de operações e filtros, em síntese, da reação ou controle social, que evidenciam sua relatividade.
O crime, com efeito, não é como qualquer objeto físico do mundo natural, como um pedaço de ferro. Ainda quando não se compartilhem os postulados radicais do labelling approach, em particular a natureza definitorial do delito (não ontológica) e a eficácia constitutiva do controle social (este criaria o delito, não se limitaria a declarar sua existência), já ninguém discute que dificilmente pode-se compreender a realidade do crime e seu volume, prescindindo por completo da reação social, assim como de complexos processos sociais de definição e seleção.
Para que um fato em aparência delitivo mereça definitivamente a qualidade de criminoso, isto é, para que se lhe atribua tal condição, há de superar uma série de filtros que dirigem, com inevitável subjetivismo e certas quotas de discricionariedade, as diversas instâncias do sistema portadoras do controle social. Em boa parte, criminal não é uma qualidade objetiva inerente a certas condutas - estas não são in se ou per se delituosas - senão um (des) valor ou atributo negativo que se lhes confere desde o ordenamento jurídico. Delito e reação social, neste sentido, são termos conceitualmente interdependentes.
Em primeiro lugar, a conduta controvertida há de encaixar-se inequivocamente em um tipo penal, condicionamento normativo essencial, já que as mudanças legais - descriminalização ou neocriminalização - decidem a própria realidade do crime e o volume deste. Mas, outros fatores podem ser, também, determinantes: assim, a conduta do denunciante (de fato, em termos estatísticos, os delitos que efetivamente se castigam são os denunciados, com independência de que se trate de delitos públicos ou privados); a da polícia (os critérios de intervenção e a eficácia da atuação policial); e a dos Juízes e Tribunais, os quais, dentro da lei, contam sempre com certas margens de discricionariedade no processo de interpretação e aplicação da lei à realidade. Tudo isso, sem esquecer que a atuação das instâncias oficiais do sistema não pode ser alheia ao contexto social, mas antes, longe de sua fictícia assepsia, se vê permanentemente influenciada pela opinião pública e, desde logo, pelos meios de comunicação.
Por isso, cabe afirmar a relatividade do conceito de delito, sua "problematicidade”.
Grupo:
Alisson Oliveira
Ana Célia Prado
André Figueiredo
Andréa Leite
Danielly Garcez
David Fonseca
Erick Rocha
Luciana Guerra
Luís Ricardo
Maria Regina Barretto
Milton Arthur Cruz
Ricardo Sampaio
Roberto Wagner
Thamires Caxico
Thiago Chaves

Um comentário:

  1. Qual imbecil do grupo teve a brilhante ideia de colocar um texto em amarelo sobre um fundo branco?

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